9 de dezembro de 2010

Filho, Pai?

31 de dezembro de 1999, quase meia noite, festa na casa da minha mãe, não só pelo réveillon, mas fazia um ano do casamento do meu irmão, um pouco antes de meia noite ele me chama, e fala pra irmos buscar o presente de sua esposa, ali na rua de baixo.
Na rua era só felicidade, quase todas as casas em festa, crianças brincando. Tudo parecia bem, não havia tristeza, ou era isso que eu gostava de pensar
De repente uma pancada, tudo escureceu, queria gritar, mas mesmo com todas as forças que eu fazia minha voz não saia, tentava chamar meu irmão, mas não conseguia, e quando eu consegui chamar seu nome, ainda baixinho eu já via luzes piscando e barulho de sirenes. Ouvia muitas vozes, mas a qual eu mais queria eu não ouvia. Sinto pessoas me tocando e quando percebo estou em uma maca, eu via tudo, ouvia tudo, mas não conseguia me mexer nem falar, não tinha dor, achei que estava morto, usava todas minhas forças para falar, mas as palavras se prendiam no pensamento.
Descobri que não estava morto quando cheguei ao hospital, olho outra ambulância chegando, tiram a maca de dentro e em cima dela tava meu irmão, começo a sentir dor, dor no coração, e nessa hora tudo desabou
Arrumei forças e gritei "Deus está conosco irmão"
Podia não ser meu irmão de sangue, mas a gente cresceu junto era como irmãos e talvez se fosse de sangue eu não o amaria tanto
Enquanto olho pra ele eu penso "Porra, o filho dele nasce daqui umas semanas, não tira o pai dessa criança Deus" quando eu penso isso eu o ouço dizer "avisa minha pequena que eu vou chegar atrasado, mas eu vou chegar, manda ela me esperar" olho pro lado e não vejo o braço dele, o sangue cobria.
Eu já estava melhor, foi mais o susto, machuquei a cabeça, nada grave. Já meu irmão eu nem sabia, ainda tava machucado, pois o sangue cobria quase todo o seu corpo, mas dava pra ver que ele não tinha alguns dedos da mão esquerda e na sua mão direita ele segurava um dos dedos que tinha sido arrancado, o dedo da aliança.
Eu já estava bem, em pé no corredor, quando de repente eu vejo sua mulher chegando com uma das mãos naquela enorme barriga e logo depois a mãe dele.
Vê-las chegando, sabendo que era eu que ia ter que dar a noticia, foi pior que ver meu irmão coberto por sangue, pedi pra elas sentarem, tentei dar a noticia de uma forma que não assustasse, mas acho que isso era impossível pois não conseguia disfarçar, estava tão desesperado quanto elas.
Não conseguia dizer nada, nisso chega um enfermeiro e fala que ele perdeu o braço esquerdo, sua mulher fica sem reação, não falou nada, uns segundos depois uma poça de água se forma embaixo dela, sua bolsa estourou e ali ela entrava em trabalho de parto
Hospital Público lotado, a colocam em uma maca ali mesmo no corredor, nisso dá meia noite e os sons dos fogos se misturavam com o som dos gritos dela, as lagrimas de tristeza aos poucos iam virando lagrimas de felicidade enquanto eu assistia a tristeza de alguma parte, e quando ele chorou toda forma desapareceu, sei que deveria ser meu irmão, mas o medico me deu a criança para segurar, eu sabia que ele não podia ser meu filho, mas sabia que meu irmão queria que eu fosse seu padrinho, o levo até a mãe, ela me olha e fala "o nome dele é Felipe, o mesmo que o seu, em sua homenagem, essa era a surpresa do seu irmão" nisso um dos enfermeiros me tira puxa e me tira de perto do meu afilhado e da mulher do meu irmão e fala "Seu irmão vai perder o braço direito também" e as lagrimas de felicidades se tranformoram em lagrimas de desespero. Meu irmão sempre disse "Quero que meu filho nasça logo pra eu pegar ele em meus braços e falar MEU FILHO" quando eu lembrei exatamente da frase "MEUS BRAÇOS" não sabia o que eu sentia, por um lado era a maior felicidade do mundo por meu afilhado estar ali, por saber que meu irmão iria sobreviver, mas parecia que o mundo estava acabando por outro lado, porque eu não sabia como iria ser com meu irmão sem os dois braços.
Dois dias depois sua mulher tem alta, e 15 dias depois meu irmão tem alta, sai do hospital vai pra casa ele não conhecia seu filho ainda, pois seu filho teve uma pneumonia e só podia ficar em casa, estava muito fraco. Chegou seu filho estava na cama, ele olhou e disse "Eu não vou poder pegar ele em meus braços" e começou a chorar, eu não sabia o que fazer, eu preferia que fosse eu que estivesse sem os braços do que ver meu irmão daquele jeito, o meu desespero era maior que o dele, só que o meu era em silencio pra ele não perceber e ficar pior, ele toma 3 calmantes e logo depois dorme ali na cama no lado do seu filho. E a vida dele era isso agora, calmantes, dormir, chorar.
Eu odiava ir à casa dele, porque cada vez que ia lá, eu saia chorando, mas eu tinha que ir, era um sensação horrível, você querer e não querer, mas ele precisava de mim pois sua mulher não demonstrava preocupação, parecia que não se importava e depois de 15 dias, seu filho ia fazer um mês a gente resolveu fazer uma festinha pra comemorar a nova vida dele e do filho dele, chego lá e encontro ele caído com uma carta sem suas mãos e seu filho chorando, na carta dizia:
"Eu não sei quem eu me tornei pra estar fazendo isso, mas depois de tudo que aconteceu eu não tenho mais forças pra lutar e não aguento te ver assim, desculpa"
Quando eu li isso, eu sentei no chão perto da porta e meu choro se misturava ao choro do pequeno felipe, eu achava que meu irmão estava morto, não conseguia olhar pra ele e quando eu consegui eu percebi que ele ainda respirava, acho que nem o nascimento do felipe fez eu me sentir tão feliz quando eu vi ele respirando, ligo para os Bombeiros, mas como morávamos na favela a ambulância não podia chegar até lá pois não eram ruas, eram becos, aonde cabia no Maximo 3 pessoas lado a lado, seguro meu irmão em um braço e no outro pego o pequeno felipe, eu não sei como arrumei forças pra carregar meu irmão em um só braço pra não ter que deixar o pequeno felipe sozinho, levo ele até os bombeiros, chego ao hospital, eu nunca tinha ido em um hospital em 19 anos, e tava ali pela 2° vez em um mês vendo meu irmão morrer, eu não acreditava, parecia que a qualquer momento eu ia acordar e o pesadelo ia acabar
Mas não, eu lutava pra acordar, mas não conseguia
Depois de alguns minutos recebo a noticia que meu irmão estava bem, e que ele tinha tido uma overdose de calmantes, por saber que ele ta bem me trouxe paz.
Eu esperei ele melhorar, deixei o Felipe com sua avó e fiquei no hospital. Depois de três dias ele teve alta.
Volto com ele pra casa e quando ele chega lá percebe que sua mulher realmente tinha ido embora, ele não chorou não teve reação, acho que ele não tinha mais tristeza pra sentir, pois já tava com toda tristeza que conseguia sentir em seu corpo.
Passei a morar com ele pra cuidar do Felipe, pois sua avó era uma senhora de idade com problemas do coração e que precisava de ajuda e não conseguia ajudar alguém. Ela até tentava, mas era fraca. Dois meses depois parecia que tudo andava bem, meu irmão estava melhor, o Felipe bem e as nossas vidas de alguma forma voltava ao normal, ou nós estávamos nos acostumando com a vida nova, mas de repente tudo volta, a tristeza toma conta também. Chego em casa com meu irmão e sinto cheiro de comida queimada, meu irmão grita "mãe, a comida ta queimando" e vai tomar banho, vou até a cozinha e vejo ela caída perto do fogão, não respirava, não tinha pulsação. Estava morta. Eu não sabia o que fazer, meu irmão no banho, e sua mãe morta na cozinha eu pensei em esconder o corpo e dizer que ela viajou igual quando você fala pra uma criança quando alguém morre, fiquei sem ação, sabia que seria os últimos minutos que meu irmão estaria bem, ele sai do banho, e me ouve chorando, vai até lá e começa a chorar também. Sai de casa correndo tento sair atrás dele e ele diz "cuida do Felipe e me deixa pensar" eu voltei, fiquei com o Felipe, não sabia se ligava pra policia, funerária ou Bombeiros. Fiquei desesperado. Liguei pra funerária que chegou lá acompanhada da policia. A policia viu que era morte natural e a funerária levou o corpo. Sai atrás do meu irmão com o Felipe nos braços, procurei por tudo e não o achei, dois dias depois que eu já tinha ido a policia falar sobre o desaparecimento dele foi o enterro de sua mãe, e ele apareceu lá todo sujo, com barba, e com a mesma roupa que tinha saído no dia em que sua mãe morreu. Veio até mim e disse "demorei dois dias pra escrever essa carta, porque escrevi com a boca, e foi difícil, espero que você me entenda. Eu vou voltar irmão, mas me deixa por enquanto, eu te amo"
Ele sabia que eu iria deixá-lo ir porque eu achava que ele só queria ficar sozinho da maneira que fosse. Chego em casa e começo a ler a carta que dizia:
"Sempre te chamei de irmão, mas hoje eu posso te chamar de Pai. O pai que eu perdi pra cachaça. O pai que eu não tenho lembrança sóbrio, só dele fedendo cachaça e batendo na minha mãe. Você sabe meu irmão, que eu queria ser o melhor Pai que eu pudesse pro meu filho, podia não ter dinheiro, mas tinha o suficiente pra dar ele de comer e fazer ele estudar, coisa que meu pai não fez, meu pai me deixava com fome pra ir beber. Eu só queria provar que eu podia ser um bom Pai, e por alguma razão Deus tirou isso de mim, não sei porque, não entendo porque Deus não deixou eu provar que eu podia ser um bom pai, mesmo eu tendo um pai que ta morrendo por causa da bebida, eu queria provar que eu podia ser um marido bom mesmo tendo um pai que batia na minha mãe. E sabe irmão qual era os únicos motivos de eu sorrir? minha mulher, minha mãe, você e o felipe, é por vocês que eu lutava, acreditava e tinha fé, mas Deus me tirou meus maiores amores, que era minha mulher que simplesmente me abandonou e tirou minha mãe agora, eu não consigo mais viver mesmo tendo você e o Felipe eu não consigo, eu não tenho meus dois braços pra falar que vou te segurar quando cair por isso te peço, cuida do Felipe como se fosse teu filho, Adeus"
Depois disso eu nunca mais ouvi falar no meu irmão, não sei se ele esta vivo ou se ele esta morto.
19 anos depois meu filho, porque você é meu filho Felipe, e não meu afilhado, um dia você foi meu afilhado, mas agora você é meu filho, e quero que você entenda que eu só estou te contando isso porque eu prometi pra mim mesmo que quando você fizesse 19 anos eu contaria porque foi com essa idade que eu perdi tudo e ganhei tudo, que é você Felipe, sua mãe não morreu como eu te falei, eu nunca fui casado e sabe aquelas fotos do meu irmão, seu tio que você vê lá em casa? Na verdade aquele é seu pai, sua mãe verdadeira eu não sei onde está, seu pai verdadeiro ta aqui meu filho, porque eu te amo mais que tudo Felipe e se eu to escrevendo essa carta de atrás das grades hoje, é porque a justiça tarda mais não falha meu filho.
O homem que bebeu demais e depois atropelou eu e seu Pai "biológico" hoje está morto também, porque eu o matei a 3 anos atrás, desculpa meu filho, eu esperei você crescer pra fazer isso, e se eu não tivesse matado ele, eu não morreria em paz. Eu posso passar anos aqui dentro, mas eu vou estar em paz, e talvez você se pergunte "Como você sabia depois de 16 anos quem te atropelou?" sabe como eu sei? Sabe? Porque foi seu avô biológico que fez tudo isso, sua avó tinha se separado dele fazia pouco tempo e ele estava indo na casa dela totalmente bêbado de carro. Eu esperei 16 anos da minha vida pra matar ele, via ele todos os dias e minha vontade era de matá-lo. Mas não, não, esperei você crescer pra que quando eu fosse preso você pudesse continuar sozinho, seu avô não sumiu, eu o matei.

14 comentários:

  1. UAAAAAAAAAAL. que teeenso. quase chorei em '-'

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  2. PQP... me emocionei, sério mesmo, pra falar a verdade to digitando isso aqui chorando... que história essa, heim?!

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  3. chorei , mt boa :/ Parabéns

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  4. MEU DEUSSSSSSS CARA, sério triste demais, tezão de historia mesmo! parabens *-*

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  5. choquei ok? ta foooooda by bizao

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  6. mermão, mt lindo, meeesmo! chorei );

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  7. voce sabe que o que escreve é perfeito e emocionante. :)

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  8. nossa , muito foda mesmo.

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  9. Não sei o que vc. tomou cara, mas é forte pra caralho !

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  10. Parabéns, confesso que nem minhas meras páginas de um livro que jamais será publicado nem lido, chegarão aos pés dessa história.
    Parabéns!

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